A Amiga Genial

Quando em Novembro propunha os quatro volumes da história assinada pelo misterioso nome Elena Ferrante estava a um livro de concluir a tetralogia. Há duas semanas dei a tarefa por terminada e foi como uma separação real de pessoas com as quais não terei mais qualquer tipo de contacto. Desde a primeira linha deixei que as personagens - e não são poucas - entrassem na minha vida. Sorri, temi, zanguei-me, chorei. São raras as narrativas que têm este poder quase hipnótico de cativar o leitor, de misturar a realidade com a ficção, de dar carne, osso, alma aos protagonistas. A proximidade é tanta que ponderamos qual a escolha mais acertada, o que faríamos naquela situação ou lembramo-nos de circunstâncias semelhantes que vivenciámos ou vimos alguém enfrentar.



- ATENÇÃO - SPOILERS -

Para mim é inevitável escolher um dos lados da história, mesmo sabendo que não é lógico, pois ambas as amigas têm altos e baixos... Dei por mim a preferir Rafaella (Lila/Lina), sendo atraída pela sua magnitude como todas as outras personagens. Defendi-a e torci sempre para que se saísse bem. Para com Lenù tive sempre uma atitude mais dura, exigi que se comportasse, que fizesse de si alguém. Pensei como todos na história pensaram: Elena (Lenù/Lenuccia) privilegiou de uma educação, posteriormente fez um bom casamento, teve basicamente tudo para que a sua vida desse certo, e portanto foi-me difícil aceitar os seus erros. Ao colocar isto por palavras percebo que os livros me manipularam a gostar mais de Lila, a ser mais compreensiva, a ter mais compaixão. Perdoei-lhe todas as acções terríveis, as que fez e as que são deixadas em aberto...

Os livros são surpreendentes e por mais cenários que imaginemos enquanto estamos a ler - e até mesmo quando estamos debruçados em qualquer outra actividade do dia-a-dia - raramente acertamos quais os percursos que estas vidas seguem. Do primeiro para o segundo livro senti uma diferença grande a nível da violência e da emoção. Tornou-se tudo mais pesado, mais negro e ruim, à medida que as meninas cresciam. A partir daí os seguintes volumes foram mais equilibrados, sendo que o último consumiu-me mais tempo e não me encheu as medidas. Muitas páginas foram designadas a descrever minuciosamente aspectos de Nápoles, ou da doença da mãe de Lenù, ou da velhice solitária da narradora. Enquanto percorria essas frases dava por mim num frenesim por ver o fim tão perto e tantas dúvidas ainda por responder. Acaba no papel deixando um sabor amargo a pouco e criando vontade de que a adaptação para série saia rápido, a fim de matarmos saudades da teia de pessoas e acontecimentos que fizeram de Ferrante uma das autoras mais lidos nos últimos anos. Esta escritora, seja quem for, fez-me voltar a ganhar vontade de escrever, não o tipo de textos informativos e de opinião que faço aqui no blog, mas sim algo no registo de romance ou memoir. Todos temos memórias para contar e estas parecem retiradas de um diário pessoal, pois uma história belíssima sobre a amizade só pode conter em si tamanha beleza por ser fabricada de verdades sem decoro, de humanidade e frieza.

1. A Amiga Genial
2. História do Novo Nome
3. História de Quem Vai e de Quem Fica 
4. História da Menina Perdida


Um grande agradecimento à Ana que me emprestou todos os livros e os discutiu comigo.

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