Crianças Livres

Lembro-me tão bem, talvez porque tenho as fotos ou simplesmente por serem tão boas memórias da minha infância, de me vestir de igual ao meu primo, de cor-de-rosa. Sim, polo e meias altas nesta cor, calções e mocasins em azul marinho. Isto aconteceu pelo menos duas vezes quando tínhamos 4 e 6 anos, eu e ele, respectivamente. Eram os anos 90 e a minha tia adorava ter-me aos fins-de-semana para me fazer penteados e vestir-me de igual ao seu filho único, dizendo a toda a gente que éramos irmãos em jeito de partida. Estávamos numa aldeia do interior e passeávamos assim pelas ruas, fonte, café. Não sei se a mentalidade tacanha, tantas vezes associada a estes meios mais rurais e pequenos, existia ou não, se alguém comentou o menino que vestia rosa, se perguntaram à minha tia o porquê... Sei que aqueles conjuntos já eram uma herança de uns gémeos rapazes, amigos da família e que viviam nos bairros bem de Lisboa. A viagem daqueles polos cor-de-rosa não é associada, por mim, a preconceito. É associada a transversalidade de recursos, a funcionalidade divertida, a igualdade. O meu primo brincava muito comigo, com Barbies e Action Man's. Com legos, carrinhos e bonecas Moranguinho. Brincávamos aos Super-Heróis com cabos de vassouras velhas no quintal da avó e saltávamos muros juntos para fugirmos de rufias. Todos estes episódios mostram igualdade e pureza, porque as crianças conseguem sentir-se iguais desde que lhes concedam essa liberdade.

 Foto de Raul Ruz

O último escândalo na Internet, sobre a colecção uni-sexo da Zippy, é só um regredir. Trata-se de uma regressão nos tempos mas também na dimensão, pois nem na mais remota aldeia na fronteira do Tejo, há 25 anos atrás alguém se prestava a criticar um menino e uma menina vestidos de igual. Se apenas nos falarem dos comentários escritos vamos pensar que as peças da marca infantil estariam muito femininas - E se estivessem? Ou que vestiram rapazes com saias - E se vestissem? Ou que abusassem do tal tom rosado - Não seria uma lufada de ar fresco? Nenhuma das suposições anteriores está correcta. Trata-se de roupa colorida em tons de azul, vermelho, laranja e verde, com inspiração geométrica. Muitos associaram o nome da colecção - Happy - à palavra Gay. Para mim Happy é Feliz, a base daquilo que uma criança deve ser. Os valores que a Zippy defende estão em linha com a actualidade e seja uma acção de Marketing ou uma real preocupação, ter vestuário funcional que possa ser usado por todos sem comprometer a identidade de cada um é sempre uma excelente ideia. Como disse acima, as crianças querem-se livres. Livres para se expressarem, descobrirem, serem. Livres de rótulos ou barreiras. É Abril, o nosso mês da Liberdade. Vamos praticá-la?

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