Branco



Carmen dell'Orefice


"I love to see old women. I love wrinkles. I love gray hair."
Alber Elbaz



Tinha uns 22 anos quando me apareceu o primeiro cabelo branco. Espetado, forte, frisado e brilhante, localizado ali mesmo no centro da minha cabeça, onde permanece a nossa coroa. Mais vistoso não podia ser e lembro-me de não gostar, de temer arrancá-lo e virem os mais sete. Passados quatro anos encontro quatro cabelos brancos, uns mais longos e discretos e um bebé ali a bater o pé. Mas todos na mesma correnteza, a ameaçarem uma futura madeixa à la Rogue. Por enquanto vou namorando-os, ao jeito de amor-ódio, porque são diferentes, inoportunos, mas pertencem-me...

A existência de fios brancos deve-se à menor produção de melanina, o pigmento que basicamente define a nossa paleta de cores pessoal. A idade, mas também a genética são preponderantes aqui. Esta situação acontece mais rapidamente a indivíduos de raça caucasiana, seguindo-se asiáticos e por fim afro descendentes. O pavor aos fios brancos é comum a todos... Duvido que alguém acorde de manhã, veja no espelho um ou dois cabelos sem cor e fique feliz. Não é vaidade, é humanidade. Vivemos com tanto medo de envelhecer, de deixar escapar o vida entre os dedos, de perder faculdades que os sinais físicos nos mostram claramente que o tempo passou e não nos poupa. A confiança é abalada quando o nosso corpo falha, resultando num pensamento depreciativo em relação a nós mesmos e ao que os outros pensam de nós. Mas será que sempre foi assim?

Aiden Shaw

Existem várias simbologias relacionadas com os cabelos e ao longo da história apreciámos as mais diferentes abordagens a este elemento humano, tanto a nível estético como supersticioso ou cultural.
Em algumas culturas, que valorizam muito os mais velhos, as melenas brancas são sinónimo de sabedoria e força. Porém o tingimento destas foi algo comum nas diferentes civilizações e sociedades. Usavam-se produtos naturais como hena ou carvão, ocre, açafrão, alho porro. No Antigo Egipto e no Império Romano valorizavam-se os tons escuros, na Grécia os loiros, tal como na Europa da Idade Média. Já os celtas e gauleses preferiam oxigenar o cabelo até opterem um tom completamente branco, que pintavam de azul durante as batalhas. Elizabeth I fez com que muitos fiéis tingissem cabelos e barbas de ruivo. No século XVIII os penteados cheios de pó branco foram popularizados pela corte francesa. Na época Vitoriana preferia-se a modéstia e apreciava-se o significado dos fios brancos enquanto maturidade e conhecimento. 

Depressa de voltaram a render ao artifício da mutação de cor capilar e em 1907, Eugène Schueller, farmacêutico, formulou a primeira tinta química para cabelos, criando a empresa L'Oréal. No abismo da década de 50 foram criados produtos para uso doméstico que revelavam as intenções da indústria em fazer com que o consumidor se sentisse bastante desmoralizado com a sua imagem. Ao permitirem que este acto, de alterar quem somos, fosse confinado à vida privada, sem idas públicas aos salões de beleza para tingir as madeixas, desenharam mais uma insegurança nos traços humanos. Foi nesta década que passámos a fazer um culto à juventude, aumentando a vontade de aparentar menos idade. O mesmo fenómeno prosseguiu nas seguintes décadas e consequentemente os químicos para crescimento e tingimento capilar tornaram-se best sellers. Nas décadas de 90 e 00 pintar o cabelo de forma recreativa era muito comum e sinónimo de emancipação para as mulheres e de rebeldia e afirmação para os jovens em geral. Mais que corrigir os sinais de envelhecimento, queria-se uma afirmação de identidade.

 Sarah Harris

Como em muitas outras questões deste repertório este tema tem sido mais doloroso para com as mulheres. Os homens vão escapando à pressão da despigmentação capilar e o tom grisalho costuma acrescentar-lhes charme. A problemática feminina remonta anos e anos atrás, quando a nossa primeira função era a de procriar. Ao envelhecer, ao contrário do homem, as capacidades reprodutivas diminuem substancialmente e qualquer sinal de velhice era encarado como perda de valor perante o seu parceiro e a sociedade em geral. Estas ideias, hoje algo desenquadradas da nossa vida real, foram passando, de alguma forma, de geração em geração. Hoje vivemos na dualidade de encarar este tema enquanto desleixo ou, por outro lado, tendência. Os cabelos naturalmente brancos em mulheres a partir da meia idade são crescentemente vistos como sinónimo de individualidade e estilo. Nos últimos anos temos assistido à reprodução dessa naturalidade da condição humana, com as tendências de cabelo loiro platinado ou prateado... Esta afirmação estética e a opção de não pintar o cabelo revelam-nos a transformação que a mulher, enquanto figura activa na sociedade está a passar. Podemos ainda ver as raízes com olhos preconceituosos mas caminhamos para a aceitação e apreciação do natural como o novo normal e aceitável. 

Sempre disse que nunca o pintaria mas como me sentirei quando tiver o cabelo todo branco? De qualquer das maneiras, eu sempre preferi a Storm...

Comentários

  1. Há quem diga que os cabelos brancos aparecem quando a pessoa se anula em prol de alguma causa maior.

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