P de... Poiret

As fénixes da couture não páram de renascer e tal como Schiaparelli ou Nehera, o nome Paul Poiret sacode as cinzas e volta a figurar nas passarelas. Após quase um século a Casa, de origem parisiense, foi adquirida pela gigante sul-coreana Shinsegae. Estes grandes nomes da História são objectos de desejo para negociantes cujo objectivo fundamental é obter lucros. Tal deve-se à facilidade em trabalhar com uma base histórica e relevante invés de começar uma marca do zero e situá-la automaticamente num sector de luxo. Este mês a colecção de estreia da Poiret-século-XXI ficou a cargo da dupla Anne Chapelle (CEO da Haider Ackermann e da Ann Demeulemeester) e Yiqing Yin.

À esquerda casaco Poiret de 1913 via arquivos do MET e à direita desfile Inverno 2018

Mas voltemos atrás no tempo e demos palco a Paul, um rapaz oriundo de uma família modesta, cujo primeiro ofício foi aprendiz numa oficina de guarda-chuvas. Desde sempre se interessou pelo universo dos têxteis, trabalhando com Jacques Doucet e Charles Worth, o pai da alta costura. Porém aprendiz e mestre tinham visões bastante diferentes no que dizia respeito ao vestuário feminino e enquanto Charles trabalhava silhuetas dramáticas, recorrendo a corpetes e crinolinas, Paul conquistaria através de peças amplas e práticas para a época. Assim, em 1903 iniciou o seu negócio sob nome próprio. Foi o primeiro a prescindir do uso de corpetes, libertando a mulher e criando um novo modelo de beleza, mais natural e confortável. A partir desta jogada evolui toda a Moda do século XX. O Japão tinha, na época uma incidência cultural grande na Europa e o artista bebia inspiração das culturas orientais, tanto para a estrutura das peças - casacos kimono, calças harem, turbantes - como para os padrões aplicados de forma requintada.


Apelidado de Sultão da Moda trabalhou o marketing de forma nunca antes vista, com grandes festas na sua residência, visando a apresentação de novas colecções e produtos. Tinha a seu lado a esposa, Denise, que era na já na época uma trendsetter que fazia propaganda às roupas do marido. De forma pioneira, usou a fotografia invés da ilustração em parceria com Edward Steichen e Man Ray, criando a ideia de editorial de moda como o conhecemos hoje. Foi também o primeiro costureiro francês a criar uma linha de fragrâncias, em 1911. No mesmo ano abriu as portas da École Martine, onde raparigas tinham aulas artísticas. Poiret comprava-lhes padrões, ilustrações e tapeçarias para o desenvolvimento da empresa, não só no sector de vestuário, com o nome Paul Poiret, mas também na decoração de interiores, com as lojas e atelier Maison Martine. Visionário, alugou o espaço contíguo ao seu atelier para que se tornasse numa galeria de arte contemporânea. Lá nomes como Picasso, Modigliani ou Stravinsky deram a conhecer as suas obras na pintura e na música.

Denise Poiret fotografada por Man Ray

Porém, em 1914 o período prolífero a nível artístico e financeiro chegava ao fim, com a ida do empresário para a Primeira Guerra Mundial. Quando regressou a Paris a sua empresa estava em falência. O público preferia agora menos ostentação e mais perfeição a nível de estruturas e acabamentos. As peças faustosas e muitas das vezes mal confeccionadas de Poiret não caíam nas boas graças das parisienses. Em 1929 o sonho de uma vida era destruído com a venda dos stocks ao kg e Paul passou a ter e sobreviver com trabalhos pontuais e precários. A Chambre Syndicale de la Haute Couture quis dar-lhe uma mesada a fim de ajudar quem tanto divulgara a alta costura francesa pelo mundo, mas o Presidente não autorizou o acto de benesse. Na altura, o Presidente da organização era Charles Worth... Nos seus últimos anos fora a designer que trabalhou a seu lado no pré-guerra, France Martano, o seu grande apoio e em 1944, quando Poiret faleceu, foi a amiga Elsa Schiaparelli que pagou o funeral.

 Fotografia de Edward Steichen

A história é triste mas, infelizmente muito comum. Vários artistas acabam a sua vida longe dos holofotes de outrora, esquecidos e abandonados à sua mercê, após grandiosos feitos que os levaram a ter uma vida confortável. Poiret será para sempre um dos maiores nomes da Moda, um dos indivíduos mais inteligentes na criação artística e na desenvoltura da gestão de um império. Deixou-nos uma herança tão rica visual e tecnicamente - inovou também através do draping, que é amplamente utilizado por designers actualmente.

À esquerda conjunto com calças harem e à direita desfile Inverno 2018

Hoje a Maison adormecida acorda e ganha formas com o desenho de Yiqing Yin e o pulso firme de Anne Chapelle. Juntas basearam-se na anunciada liberdade da mulher do século XX para criarem formas oversized que permitem amplitude de movimentos. Nesta primeira colecção apresentaram têxteis sumptuosos com a colaboração de artesãos, valorizando o legado arts and crafts do fundador. No manifesto da renascida marca referem a ideia de aldeia global, que a nós parece tão actual mas que Poiret desenvolveu desde sempre, com a mistura de influências nas suas criações. Sobretudo, foi ele a ponte entre o passado e o modernismo.

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